Recentemente nós descobrimos que o sistema imunológico da lagarta mata as primeiras células que surgem com as informações genéticas da borboleta, identificando-as como invasoras e perigosas. Estas células são resilientes e vão se juntando e ficando mais fortes.
Tudo começa com enzimas quebrando a estrutura original de células que não servem mais. A lagarta ataca as novas células que trazem a informação da borboleta. O seu sistema imunológico não sabe que essas novas células são seu futuro. Neste momento só as reconhecem como algo estranho. Muitas serão combatidas e eliminadas. Chamadas de células imaginárias, elas persistem em nascer de novo e, a cada tentativa, aprendem a se comunicar entre si, se conectando. Os pequenos grupos de células trocam informações e com isso ganham força, agora capazes de se reproduzir. O sistema imunológico não dá mais conta de eliminar as células imaginárias com a mesma rapidez com que novas surgem e assim os pequenos grupos celulares se conectam formando uma corrente de boas notícias. A borboleta agora sabe que é uma borboleta, antes mesmo de ser. As células imaginárias não precisam mais atuar sozinhas, já que todo o sistema compartilha da missão de transformar a lagarta em borboleta.
A borboleta não surge porque a lagarta morre. Ela surge da capacidade interna de ação coletiva e de resistência em direção à transformação. A alteração, a metamorfose, começa de dentro. Não dá para acoplar asas à uma lagarta para ela virar uma borboleta. Há uma tendência de confundir mudanças cosméticas de uma verdadeira mudança. O processo de transformação da lagarta pode se assemelhar a um processo de transformação cultural. O novo é observado com ceticismo, boicotado secretamente ou combatido até de forma violenta, assim como ocorre com as células imaginárias. E muitas vezes precisamos de mais do que uma geração para que o novo não seja visto como ameaça.
Se olhamos no micro, num recorte de tempo que o ser humano consegue compreender (e, portanto, é menor do que nossa existência), podemos dizer que tivemos alguns (pequenos) avanços na sociedade e que os retrocessos parecem que estão nos levando à estaca zero. Mas como ocorre no sistema imunológico da lagarta, que detecta as células imaginárias como invasoras, essas células sempre nascem de novo. Resistem para existir.
Só que indivíduos com novas ideias surgem querendo fazer todo tipo de transformação. A bancada da bala, do boi e da arma também eram novas ideias, não? Não! Qualquer “novo” que venha para concentrar poder não é o novo. É só o sistema imunológico atacando as células imaginárias. Um macro olhar para o passado nos diz que vivenciamos um processo de individuação do ser humano, mas é hora de nos reconectarmos com a espiritualidade que não é dada apenas pelas religiões, com o valores humanos que não são os que reforçam as tradições e elitismo, com a ecologia que não quer dominar a natureza, com os grupos sociais que extrapolam famílias, classes, etnias, nações.
Na última semana facilitamos uma imersão de 3 dias com educadores e comunicadores populares que atuam em suas cidades e comunidades apoiados pela Purpose. São esses homens e mulheres as células imaginárias do nosso tempo e que vêm sendo literalmente atacadas pelo sistema, correndo real risco de vida. E não por um ato ideológico. Assim como as células imaginárias, elas resistem e lutam simplesmente para continuar existindo. Estar com essas pessoas, ouvir suas histórias, dores e convicções nos renovou fôlego para continuar contribuindo para a metamorfose da lagarta. Mais que isso, nos ajuda a ficar em constante reflexão se estamos atuando para o fortalecimento e multiplicação de células imaginárias ou para manutenção do sistema.
O novo que vai nos tornar uma borboleta não tem receita de bolo. Estamos partindo para o futuro sem mapas. Ainda não sabemos que somos uma borboleta. Apenas nascemos, somos atacadas e novos nascem para dar o passo de aprendermos a nos agrupar e trocar informações de como nos reproduzir. E matar a lagarta não é a solução, pois a borboleta não surge porque a lagarta morre.
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“Todas as pessoas estão presas numa mesma teia inescapável de mutualidades, entrelaçadas num único tecido do destino. O que quer que afete um diretamente, afeta a todos indiretamente. Eu nunca posso ser o que deveria ser até que você seja o que deve ser. E você nunca poderá ser o que deve ser até eu seja o que devo ser.” — Martin Luther King
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