Aqui vai uma historinha hipotética que pode estar sendo vivida ou presenciada, neste momento, por você que nos lê:
Eu uso sabonete de barbatimão para me lavar. Ele faz terapia desde os 18 anos. Ela iniciou a prática de yoga semanal. Essas são formas de autocuidado.
Eu fiz uma oficina para refletir sobre meu propósito. Ele está pensando em participar de encontros de prática sobre CNV (Comunicação Não Violenta). Ela está participando de um círculo de mulheres. Isso são formas de autodesenvolvimento.
Nós 3 estamos num projeto potente e compartilhamos a mesma visão de mundo, muitas vezes travando umas ’tretas brabas’ contra o sistema. De alguma forma estamos cuidando dos outros lá fora e isso nos inspira!
Só que estamos nos sobrecarregando, fazemos reunião sem respeitar os ritmos de fala e silêncio, atritos estão acontecendo, e nós, que antes nos gostávamos tanto, estamos meio que não nos gostando mais. Alguns conflitos se sentaram à mesa e não foram cuidados…. Estamos sem tempo para cuidar de nós.
Estamos perdendo nossa individualidade e sinto que seremos a próxima vítima do sistema. Já vimos isso acontecer em outros grupos: o mito de que se vulnerabilizar e se acolher é visto como perder força e potência para a própria luta.
Sem tempo e intenção de olhar para as próprias feridas e dores, as pessoas brigam, se afastam e às vezes até a amizade vai embora. No fim, para não perder o timing das causas, estamos perdendo as relações.
É necessário buscar o autocuidado e autodesenvolvimento. E além de cuidar de si, é preciso também aprender a cuidar do outro, fazer este movimento no coletivo. E requer coragem fazer isso.
É como a mensagem de segurança no avião: “Em caso de emergência, as máscaras de oxigênio cairão automaticamente e se alguém precisar de ajuda, primeiro coloque a sua máscara para depois ajudar quem precisa”.
Se você já está respirando, é chegada a hora de ajudar quem precisa. E o mais comum é não olhar pra quem está do nosso lado. Querer se desenvolver e ao mesmo tempo protagonizar o desenvolvimento de quem está com você fortalece a existência de um grupo.
Aprender a dialogar, a trazer o conflito para perto e trabalhar nele é um caminho que se constrói na interação, exercitando ter real interesse pela outra pessoa que está com você nessa jornada e muita disposição e tempo interno para olhar para as dores de grupo. Para dar conta de uma necessidade do mundo, é preciso, além de habilidades e conhecimento, desenvolver musculatura emocional para criar uma rede mútua de “outrocuidado”, um autocuidado coletivo.
Desistir do cuidado com a outra pessoa é também desistir da convivência em sociedade. Pessoas podem até ser substituídas e têm todo o direito de querer alçar novos voos. Mas as relações não são substituídas. Feridas sociais demoram muito mais para fechar e se multiplicam muito mais facilmente.
Se mesmo tendo visões convergentes, as pessoas resolvem não mais dialogar, como dialogar com quem pensa diferente? Que construção de democracia é essa? Se a democracia está para acolher os diferentes ‘nós’, é fundamental conseguir exercitar a convivência internamente, nos pequenos grupos de projeto, de trabalho, nos coletivos, nas diversas frentes que estão emergindo.
Poder olhar para o que é comum sem desistir das pessoas talvez seja nossa principal tarefa nesta época.
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